Bruxinha
Uma das minhas memórias mais antigas quanto a trabalhos manuais tem a ver com uma boneca de pano que nunca sequer foi feita.
Eu devia ter uns 4 anos, morávamos em São Gonçalo na casa de minha avó. Eu estava com minha mãe, sentada no batente daquele jardim onde todas a minhas reinações acontecem. E minha mãe ia riscando na areia como ela costumava fazer as "bruxinhas" de pano pra brincar. Que coisa mais fascinante! E como algo tão adorável pode ser chamado de "bruxa"? Quanto mistério!
Até eu finalmente ter sido devidamente apresentada às agulhas, outros anos de infância se passaram, mas não o suficiente pra que as bonecas tivessem perdido a sua mágica (mas será que elas realmente perdem?).
Nessa época, eu deveria ter uns 10 anos, já estávamos morando em João Pessoa. E o fascinante desse período foi o contato com as meninas que trabalhavam nas casas da vizinhança ou na minha mesmo. A grande maioria, se não todas, vindas do interior paraibano e no seu imaginário todas os contos, as modinhas, as rimas, as receitas, as supertições e também as bonecas! Quantas horas passadas na calçada de casa ouvindo dessas coisas?!
Não venho de família rica, mas ainda assim sempre tive bonecas lindas, extremamente industrializadas. Estrela, plim, plim!
Mas as que sempre me fascinaram, talvez depois daquela conversa no batente com minha mãe, são as bruxinhas!
Lembro de uma vez que meu pai vindo de viagem me trouxe uma boneca feita de palha de milho. Linda! Aliás, se alguém tiver a técnica, por favor me diga!
De outra, minha mãe vinda de Campina Grande me trouxe uma boneca de pano. Tão querida!
Mas voltando aos meus 10 anos, não havia diversão melhor do que brincar fazendo as bonecas e brincar com as bonecas! Eu lembro que fiz tantas que presenteava minhas amiguinhas.
Lembro vívidamente de uma em particular. Talvez porque ela tenha ficado muito bem feitinha. Acho até que ainda a tenho no meio das tantas coisas que deixei na casa dos meus pais.
Mas isso tudo é pra dizer que agora que eu estou mergulhando cada vez mais nesse mundo do artesanato (urbano?) tenho percebido que muitas meninas, e talvez até meninos (embora ainda não tenha cruzado com nenhum), continuam fazendo as suas bonequinhas. Cada uma a sua maneira bem particular. Então eu pensei por que não fazer a minha boneca também?
Tentei várias idéias que circulavam na cabeça, formatos, expressões, mas naturalmente fui levada à tal maneira como sempre as fiz na minha infância.
Depois de pronta, o rosto ainda em branco, pensei: vou deixar assim. Quis conceitualizar, mostrar o papel da mulher na sociedade, etc, etc. Mas o quê é uma boneca sem rosto? Sem os olhinhos? Se aquela mesma criança que há em mim me levou a fazer a minha bruxinha tal como costumava fazer, eu não poderia simplesmente esquecer dos olhos. O rosto é o ponto alto da confecção: ela já está toda pronta e agora sua mão tem que ser muito precisa pra não estragá-la. E uma vez pronta, não importa o teu traçado, ela ganha vida própria! E é por isso que as bruxinhas são tão especiais: tal como as pessoas, cada uma é única.
Essa é a minha boneca pós-infância. Lembro bem das que eu costumava fazer e tenho certeza que elas não tinham essa atitude enxerida! E eu juro que não tive nada a ver com isso. Não foi idéia minha que seu cabelo fosse ondulado ou que seu sorriso fosse tão irônico! Acho que é por isso que mesmo depois de adultos as pessoas continuam fazendo bonecas: em algum momento do processo você simplesmente perde as rédeas da situação. E como é bom de vez em quando não ter o domínio sobre tudo. Né?